Por Dionísio Birnfeld,
advogado (OAB/RS nº 48.200)
Que o crédito – e o acesso a ele – é cada vez maior no Brasil não é novidade alguma. Taxas de juros caem e mais facilidades são oferecidas para quem “precisa de algum”. Isso sem falar, claro, que a oferta está cada vez maior.
Pelo que se sabia, até agora ou a pessoa batia às portas de bancos e financeiras, ou recorria a agiotas. Mas, claro, se quase nada escapa do mundo virtual, dificilmente a Internet deixaria de oferecer dinheiro a quem precisa. E, óbvio, a iniciativa veio no formato mais popular e melhor sucedido da web: as “comunidades”.
Países como Estados Unidos, Alemanha e China já contam há mais tempo com esse tipo de negócio que movimenta milhões de dólares. Agora, a nova fonte de crédito chegou ao Brasil, por meio do saite Fairplace, que promete empréstimos diretos entre necessitados de dinheiro e abastados com disponibilidade de caixa. Ou seja, um tem e o outro quer.
O saite propicia o encontro desses dois interesses, sem intermediários, fazendo com que as partes negociem diretamente as taxas de juros, na forma de leilão. Antes de fechado o negócio, claro, o Fairplace realiza a análise de crédito do postulante por meio de quem? Da Serasa!
Tudo ajustado, os pagamentos são feitos pelo devedor em parcelas mensais em débito na sua conta-corrente. Se atrasar, estará sujeito à cobrança “amigável ou judicial” realizada por escritórios especializados em “recuperação de ativos”.
A remuneração do saite é uma taxa de administração de 2% sobre as parcelas recebidas, paga pelos investidores, e - do devedor - 5% ao ano para empréstimos de um ano e 4% ao ano para empréstimos de dois anos. Também tem uma tarifa de cadastro, de R$ 50,00, e a tarifa de débito de parcela, de R$ 1,99 por evento.
Confesso que admiro a criatividade empresarial e a geração de novos produtos e serviços e, em um país livre e democrático, a oferta de dinheiro – desde que legal, moral e ética – é prática plenamente aceita pela sociedade. Nada contra, pelo contrário, tudo a favor da livre iniciativa. Chega de tanta regulação atrasando o desenvolvimento econômico do país.
Mas fico pensando nas implicações jurídicas deste negócio, que, de tão inusitado, à primeira impressão parece estar fora de qualquer regramento legal, aliás, sentimento muito comum com relação ao business virtual em geral.
Minha principal dúvida: os juros dos empréstimos poderão ser superiores a 12% ao ano? Se os empréstimos ocorrem de pessoa a pessoa, sem intermediários, não há instituição financeira envolvida. Assim, estariam os “investidores” liberados para cobrar a taxa que quiserem (desde que contratada e não abusiva), gozando do mesmo privilégio que os tribunais superiores reconhecem aos bancos?
O Código Civil limita os juros à taxa em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional, hoje de 1% ao mês, permitida a capitalização anual.
Então, pelo que parece, os “investidores” teriam que se contentar com a minguada remuneração de 1% ao mês, mais capitalização. Desconfio que não seria um negócio atraente, embora os ganhos em poupança e fundos de renda fixa estejam menores do que isso para quem deseja deixar seu dinheiro “parado”, rendendo.
Voilá! O Fairplace encontrou uma saída para falta de atratividade: embasamento jurídico para que o emprestador ganhe mais. Segundo o saite, os contratos serão “formalizados à taxa máxima legal de 12% ao ano”. E...”o restante da remuneração paga aos investidores é complementado diretamente pela Fairplace através de bonificação por conta da parceria feita entre investidores e Fairplace”.
Por outro lado, o saite estimula os interessados a propor pagar taxas as mais altas possíveis, pois haverá mais chance de sucesso em seu leilão. “Investidores escolhem os leilões e fazem seus lances àqueles pedidos com as melhores taxas”, diz o Fairplace.
Estou curioso para saber o “pulo do gato”, que permite contratar com limite na taxa legal mas receber juros acima dela...
Quem explica?
PS: só falta estar aí uma nova fonte de ações revisionais...
(*) E-mail: dionisio@marcoadvogados.com.br
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