quinta-feira, 19 de agosto de 2010

As finanças agora são 2.0

Quando os gurus do Vale do Silício John Battelle e Tim O'Reilly criaram, em 2004, o termo web 2.0, muita gente duvidou de uma nova transformação na forma como as pessoas interagiam e se informavam com base na internet. Afinal, o email havia substituído as correspondências, os programas de mensagem instantânea permitiam conversar ao vivo com alguém do outro lado do mundo e as pessoas já encontravam nas páginas da internet as notícias que leriam nos jornais do dia seguinte. A experiência dos últimos anos, porém, mostrou que a web 2.0 - a ideia de que os sites são cada vez mais construídos com a participação dos usuários, seja na forma de comentários, votações ou produção de conteúdo - trouxe, sim, diversas transformações.

A constatação mais recente dessa nova ordem virtual foi o uso do microblog Twitter durante a Copa do Mundo da África do Sul, que permitiu que milhares de desconhecidos do mundo inteiro compartilhassem instantaneamente suas impressões sobre cada lance dos jogos. O Twitter também foi o meio usado por várias estrelas da Copa para se comunicar com os fãs. Agora, a nova fronteira é o mundo das finanças. Depois de mudar a maneira como as pessoas se relacionam entre si, a web 2.0 começa a lançar seu efeito transformador sobre a forma como as pessoas lidam com o dinheiro.

As seis pessoas que aparecem nas fotografias ao lado representam um claro exemplo do potencial das redes sociais no ambiente financeiro. Apesar de morarem em cidades distantes e de nunca terem se encontrado, elas já fecharam negócios entre si. Todos fazem parte da Fairplace, um serviço criado há três meses para reunir gente que precisa de dinheiro com pessoas dispostas a emprestar. O sistema é bastante simples. Uma pessoa quer tomar um empréstimo de 5 000 reais para comprar uma moto, por exemplo. Publica um anúncio no site com o pedido e com uma breve explicação do que vai fazer com o dinheiro. Com as informações cadastrais do usuário, a Fairplace publica com o anúncio um perfil de risco, com base em dados da empresa de informações de crédito Serasa Experian. Quem tem dinheiro para emprestar pode fazer uma proposta, a uma determinada taxa de juro. Se houver várias ofertas, a Fairplace calcula automaticamente qual a melhor combinação de taxas para o candidato a credor.

Essa modalidade de "empréstimo entre iguais" existe há alguns anos nos Estados Unidos. Para o tomador, a vantagem é conseguir um financiamento com juros menores. A taxa média dos empréstimos fechados via Fairplace foi de 3,3% ao mês, um luxo em comparação aos 8,3% do cheque especial. Para o investidor, o atrativo é poder montar uma carteira com retorno superior ao de outras aplicações, como poupança e CDB, que atualmente estão rendendo, respectivamente, 0,5% e 0,75% ao mês. É claro que a possibilidade de ganhos maiores não vem sem um aumento de risco: caso o devedor não pague o crédito obtido, quem assumirá a perda é o próprio investidor. "É preciso considerar que algumas pessoas não vão pagar mesmo. Por essa razão, busco fazer uma carteira bastante diversificada", afirma o engenheiro Diego Ramos Venancio, de 33 anos, que já emprestou para mais de 40 pessoas por intermédio do site.

Mas nem tudo é lucro no mundo dessas redes de empréstimos, como mostra o exemplo americano. Com a crise desencadeada depois da quebra do banco Lehman Brothers, houve um aumento da inadimplência e a Securities and Exchange Comission (SEC), órgão que fiscaliza o mercado de capitais americano, entrou em cena. No final de 2008, suspendeu as atividades dessas comunidades até que uma nova regulação fosse implantada. "Ficamos cerca de seis meses sem trabalhar", diz o americano Chris Larsen, presidente da Prosper, empresa com sede na Califórnia que possui uma carteira de 1 bilhão de dólares em empréstimos e 960 000 cadastrados. No ano passado, com os empréstimos transformados em títulos e devidamente monitorados pela SEC, a vida das comunidades voltou ao normal. Por aqui, esse tipo de negócio é muito incipiente. A Fairplace, até agora o único serviço brasileiro, tem 5 000 cadastrados e ainda não chegou a 150 transações fechadas.

Fonte: Revista Exame - Ed. Abril - 28/07/2010

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